23.11.10

UM POUCO DE POESIA: AQUELA QUE FOI EXPULSA DA ACADEMIA DE PLATÃO

BORDADOS

Toco de leve no tempo
e desenho no pano da vida
o traçado da linha
presa na agulha
que faz estourar a ferida

Bordar o direito e o avesso
olhar o certo e o errado
buscar viver e amar
desenhos bordados em outros
tecidos, franzidos, passados...

Traços, riscos, esboços
aparecem coloridos, nos bordados,
em panos de seda,
em linhos alvíssimos,
em trapos amarelados,
estão nas toalhas sagradas
os bordados.

LIVRE PENSAR -- AUTONOMIA e PROTAGONISMO

Dentre as questões com as quais a Filosofia se envolve entre todos os saberes, permanece a inquietação para o entendimento da subjetividade, o que implica em falar de autonomia.
Se tomarmos esse pressuposto, será possível estabelecermos o vínculo filosofia e autonomia nas circunstâncias concretas dos saberes, desde a formulação de problemas, elaboração de questões até o exercício público e cívico da Filosofia na formação de jovens filósofos e professores de filosofia.
Quando Sócrates assume como lema o Conhece-te a ti mesmo, instaura na história do pensamento a categoria da subjetividade e da autonomia. Só será possível esse autoconhecimento a partir de uma intimidade do sujeito consigo mesmo. Essa experiência de intimidade poderá produzir uma maturidade epistemológica e comportamental, capaz de efetivar o exercício da autonomia nas diferentes esferas da vida.
Esse movimento permite sair de uma situação comum, anônima, para participar ativamente da história. É o modo originário do protagonismo. É uma ação que se destaca de um cotidiano comum, repetitivo e até monótono.
Ser protagonista é correr riscos. Este é o grande desafio para os sujeitos que escolhem integrar o processo histórico. A filosofia nos faz protagonistas, porque, além de sabermos, filosofar é mais do que sabermos apenas para nós mesmos. É o saber da partilha e do compromisso.

Cecilia Pires

2.8.10

EVENTOS

Começa um semestre de vários eventos na área de Filosofia. Estarei em alguns deles: no Uruguay, Congressoe Uruguayo de Filosofia. Na Argentina, Corredor de las Ideas e no Chile, Congresso de Ciencias e Tecnologias.
Em outubro haverá o Encontro da ANPOF, nosso GT Ética e Cidadania estará a postos. Bom encontro!
Preciso me dedicar a escrever os textos. Este é o tempo de divulgar minha pesquisa.
Em novembro, na EST, terá o Encontro Arendt. Estarei participando.

23.6.10

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Estive realizando, dia 12 deste mes (junho/2010), palestra sobre o tema Direitos Humanos como proposta social, no Curso de Formação em Educação e Direitos Humanos, na EST, em São Leopoldo. O curso foi organizado pela Prefeitura Municipal de São Leopoldo, através da Secretaria Municipal de Educação e o Gabinete da Primeira Dama.
Esse projeto é uma articulação entre o Comitê Regional de Educação em Direitos Humanos – Vale dos Sinos e a Prefeitura Municipal de São Leopoldo, por meio de convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
Professores e educadores sociais muito ativos nos debates. Cursos como este são muito importantes para o empoderamento das populações e a construção do poder local.

22.6.10

LIVRO


Foi lançado dia 7 de junho, na Universidade de Caxias do Sul/RS, o livro Ética, política e subjetividade, editado pela UCS, organizado por Janete Bonfanti e Evaldo Kuiava, contendo textos de vários filósofos e estudiosos do tema.
O detalhe importante que me alegrou é que o livro homenageia meu tempo de vida.

DIREITO À JUSTIÇA, REPARAÇÃO, MEMÓRIA E VERDADE

Excelentes debates ocorreram no V Simpósio da Cátedra Unesco-Unisinos.
Lembrar da história para que se faça justiça em memória das vítimas é sempre necessário.

21.6.10

EDUCAÇÃO POPULAR

Gostei muito de estar no X Congresso Internacional de Educação Popular, em Santa Maria, no Centro de Eventos do Itaimbé Palace Hotel. Minha fala discorreu sobre o tema "A pessoa do educador e o processo comunitário de humanização e transformação". Bons debates, feliz reencontro de velhos amigos e colegas.

6.5.10

NEFIPO

ACESSE O BLOG DO NEFIPO - NÚCLEO DE ESTUDOS EM FILOSOFIA POLÍTICA/UNISINOS

Notícias

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BRASIL
Ética da necessidade volta-se aos marginalizados

SÃO LEOPOLDO, Maio 6 (alc). Dos gregos aos seguidores de Nietzsche, o
conceito de ética sempre esteve voltado à disciplina, aos bons costumes, ao
zelo pela virtude e à obediência aos regulamentos. Um outro enfoque, o da
"ética da necessidade", desponta como o mais recente desafio à Filosofia
Política.

Segundo a doutora em Filosofia e professora do Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Cecília Maria Pinto Pires,
a filosofia precisa "ser menos casulo e caminhar pelas ruas". Ela chamou a
atenção para aqueles que se comportam obedecendo a critérios de necessidade,
carência e exclusão no seu dia-a-dia.

Pires é autora do livro "Ética da necessidade e outros desafios",
apresentado na terça-feira, 3, no espaço Sala de Leitura, promovido pela
universidade de São Leopoldo. A filosofia, disse a pesquisadora, deve
preocupar-se com a humanização do homem e cuidar para que todos desfrutem da
felicidade neste século.

Ao destacar alguns tópicos do livro, Cecília assinalou que "a ética nunca se
preocupou com a escassez, com a carência, com a necessidade". Ela postula a
idéia de que no comportamento do excluído social há valores desconsiderados
pelas definições normativas, de bases universalistas ou discursivas.

"Os despossuídos procuram suprir suas faltas de modo imediato, sem atenção a
um projeto maior que resgate uma ação cidadã e democrática. É uma ética que
se pauta por valores da urgência social, que não tem o tempo da vida e da
sobrevivência para se envolver com a formalidade, com o regramento
convencional", explicou a professora em artigo no boletim IHU-On Line, da
Unisinos.

A ética da necessidade, enfatizou, evidencia a racionalização das carências
entre os excluídos sociais. Cecília Pires identifica um imaginário caótico,
baseado na lógica das carências e não na lógica das satisfações, "que se
apresenta reduzido às circunstâncias da falta, cujo pressuposto é a
imanência, a imediatidade, a percepção de que há um corpo-consciência
faminto, excluído da vida boa e justa, e excluído da vida feliz".

Daí que a ética da necessidade vem pautada pelos valores da urgência social.
A pesquisadora alertou que o desejo reprimido pela exclusão pode fazer
emergir manifestações violentas. No campo dos direitos humanos, a professora
de filosofia destacou a vida como um direito maior, destacando a democracia
como valor histórico e universal.
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ENTREVISTA

Na fala da professora Cecília Pires, é possível perceber seus sentimentos de criança e de filósofa. A preocupação com temas recorrentes como justiça, igualdade e direitos humanos está presente na forma como ela analisa o mundo e as relações entre as pessoas. Filha de um ex-fazendeiro português e mãe operária, Cecília reúne, em sua vida, a luta de classes. “As questões da justiça e das injustiças sempre me chamaram muito a atenção desde pequena. A sociedade hierarquizada sempre me incomodou”. Na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line, ela resgata aspectos interessantes da vivencia no período da Ditadura Militar, analisa as conquistas e seus sonhos para o futuro.

Confira.

Origens – Nasci na região das Missões, na cidade de Santiago. Costumo dizer que fui um ente que entrou na vida e na natureza, pedindo licença porque o meu pai tinha 76 anos quando eu nasci. Ele faleceu com 102 anos, me viu crescer, me formar. Tenho mais uma irmã.

Pai – A rigor, meu pai parecia mais um ícone no sentido de que era um velhinho, mas uma pessoa muito lúcida. Ele gostava de ler e apesar de não ter feito uma educação superior, tinha uma cultura própria e foi uma das primeiras pessoas a me falar sobre Filosofia, me contava a história de Sócrates e dos filósofos. Minha mãe era costureira, uma mulher muito trabalhadora. Ela me iniciou nas questões da religiosidade. Tínhamos uma vida muito tranquila, morávamos numa casa grande, com um pátio enorme e podíamos colher as frutas das árvores.

Pensamento - As ideias que tenho hoje estão diretamente relacionadas as minhas origens. Meu pai, antes de eu nascer, tinha sido um grande fazendeiro. Com a crise econômica de 29, ele perdeu todos os bens. Costumo dizer que fiquei com a fotografia das fazendas. Minha mãe, por outro lado, veio de uma classe operária. Então, reúno em mim a luta de classes porque meu pai era de origem portuguesa, de uma burguesia ascendente e minha mãe, era indígena. A bisavô dela era índia Guarani de tribo. Eu não sei uma palavra em Guarani, o que acho uma lastima, mas essa vivência de duas realidades, de certa forma antagônicas, é muito importante na minha vida.

Estudos – Fui educada num colégio religioso de Santiago, da Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus. Cursei a graduação na Universidade Federal de Santa Maria de 1966 a 1969, em plena Ditadura Militar. Fiz parte do grupo de pessoas resistentes à Ditadura.

Filosofia – O interesse pela Filosofia vem do incentivo de meu pai e de uma curiosidade própria minha de entender as pessoas e as relações entre os indivíduos. As questões da justiça e das injustiças sempre me chamaram muita atenção desde pequena. Sempre vi muita divisão entre as pessoas em função de classes, raças, sexo, poder. A sociedade hierarquizada sempre me incomodou.

Viver no período da Ditadura – Quando morava em Santiago, fazia parte da Juventude Estudantil Católica - JEC. Já em Santa Maria, na UFSM, nos debates na sala de aula do curso de Filosofia que, naquele período, era muito operado pelos padres palotinos, tínhamos a sensação de medo, mas também a euforia da resistência. Os diretórios acadêmicos eram cercados pelo que, na época, chamávamos de “ratos”, que era aquele pessoal patrocinado pelo exército para nos vigiarem. Uma aula sobre Sartre era considerada um acontecimento de esquerda, sendo que Sartre nunca foi comunista, por exemplo. Santa Maria foi uma cidade de grande esplendor cultural.
O município também era militarizado. Meu marido, Sergio Pires,(falecido) e eu éramos militantes. Enquanto estudantes, no Diretório Acadêmico, fizemos parte do Movimento Universitário de Santa Maria. Nas férias, fazíamos acampamentos de reflexões, sempre com a preocupação de uma formação política muito forte contra a Ditadura, o conservadorismo, as forças obscuras.
Também atuei como professora nesse período. Era difícil pensar nos programas de Filosofia Contemporânea e Social. Quando trabalhávamos os temas candentes, éramos mal vistos, vigiados. Mas, nunca desistimos da luta. O debate filosófico acontecia, havia uma efervescência política na universidade tanto pelo pessoal da esquerda como da direita. Não havia esse estado de letargia.

Militância - Durante muitos anos, em Santa Maria, coordenei a comissão de Direitos Humanos. Participei da fundação do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre, com Jair Kirschke. Participei, também, do “cacerolaço”, quando batíamos em panelas para fazer protestos na rua. Visitei o primeiro acampamento dos Sem Terra, fiz um comício, grávida de oito meses, chamando as mulheres para a luta da resistência, em 1980. A minha vida sempre foi filosófica.

Lições da Ditadura - O movimento pela anistia é importante porque é uma conquista nossa, embora ainda seja uma conquista parcial. Essa foi uma luta que trouxe muito aprendizado. Conseguimos que a democracia não morresse. Essa foi a nossa luta, a luta da resistência. Faço uma avaliação de que não estamos, ainda, no nível democrático que teria de produzir o respeito ao direito de todos e a inclusão social de todos, já que o mundo é de todos. Não conseguimos a democracia além do formal, do sufrágio universal e de uma certa irresponsabilidade. Na época em que os partidos políticos (PMDB e Arena) voltaram a se organizar, ouve a compreensão de que aquele era o momento para se organizarem. Depois, as coisas tomaram outro rumo. Acho que existe, por parte das lideranças político-partidários, um culto muito grande a sua própria personalidade, ao seu próprio desejo. Hoje, penso que talvez devêssemos repensar a questão da organização social e civil e esta poderia ocorrer por meio de conselhos. O sujeito não se sente acolhido na escuta de suas necessidades na atual estrutura formada por Estados, prefeituras. E, portanto, o gerenciamento é catastrófico. Penso que ninguém consegue ser milagroso na gerência de milhões. Então, talvez, nessa avaliação, eu diga que aquela utopia que tínhamos, aquela efervescência da vida civil pública, de certa forma arrefeceu.

Capitalismo totalitário

Hoje, a juventude tem outras utopias, ela vai ter de descobrir os seus processos, sair das suas letargias. Sinto a juventude retomando algumas questões, mas a ditadura produziu uma descrença que gerou um individualismo exacerbado. Antigamente, nas universidades, tinham muitas parcerias, não tínhamos grandes bibliotecas, mas as pessoas se ajudavam, estudavam juntas, emprestavam livros, se criavam condições materiais para que todos tivessem acesso. É próprio do capitalismo o fortalecimento do individualismo. E o capitalismo hoje tomou conta e estimula muito atitudes individualistas.

O capitalismo tende a ser totalitário. Quando falamos em totalitarismo, pensamos no que aconteceu na União Soviética e em outras tiranias. Mas não foi só lá. O capitalismo tomou conta do mudo hoje. A situação fracassada da União Soviética não foi socialismo, nem comunismo, foi um capitalismo de Estado, pura e simplesmente. Mas o capitalismo é a própria tirania que o homem escolheu para viver e se organizar, na medida em que cada um faz muita coisa só por si mesmo, mas tem dificuldade de dimensionar as coisas do ponto de vista de uma sociedade, de se preocupar com a fragilidade.

Ingresso na Unisinos - Tenho 40 anos de magistério. Em 1994, me aposentei. No ano seguinte, minha filha mais velha estava morando em Porto Alegre e estudando Direito, então, minha família também mudou para a cidade. Tive quatro filhos e meu marido faleceu muito cedo: ele teve um enfarte agudo do miocárdio e eu fiquei com quatro filhos para criar. No final de 1995, minha filha viu um anúncio no jornal Zero Hora de que a Unisinos estava precisando de professores de Filosofia e ela me inscreveu.

Comecei a trabalhar na universidade quando ela passava por um processo de construção. Em 1996, não havia um curso de pós-graduação em Filosofia. José Ivo Follmann, que sempre teve um olhar muito bom para a Filosofia, constituiu naquela época uma comissão para pensarmos o curso de mestrado. A comissão foi formada pelo Prof. Marcelo Aquino, Antonio Sidekun e eu. Então, estou nas origens do mestrado e doutorado da Unisinos. Fiz o pós doutorado em Paris, incentivada pelo Pe. Marcelo Aquino. Hoje sou professora da graduação e pós-graduação. Gosto desta experiência com a juventude. Sempre procurei incentivar grupos de pesquisa e estudos com estudantes. Fiz isso na UFSM e faço hoje na Unisinos com meus alunos e temos o NEFIPO - Núcleo de Estudos em Filosofia Política, que nos auxilia muito no debate acadêmico dimensionado para a vida prática.

Mãe – A experiência de cuidar de quatro filhos foi metafísica no sentido de quase infinitude porque naquele momento eu fui o pai e a mãe dos meus filhos. Minha mãe me acompanhou sempre. Quando meu marido faleceu, tive dificuldade de voltar a trabalhar na universidade porque nós trabalhávamos no mesmo local, embora ele fosse engenheiro da matemática e eu da área da filosofia. Exigia que meus filhos fossem para o colégio até que um dia um deles disse: “Mãe, por que tu tens de ficar em casa chorando e nós temos de ir chorando para o colégio?”. Neste momento, me dei conta que eu precisava reagir, que eu era a pergunta, mas também era a resposta.

Filhos - Meu filho caçula tem 25 anos, mora em Los Angeles. Uma das minhas filhas faz doutorado em História na Unisinos. A mais velha é formada em Direito e é funcionária pública federal, trabalha no Tribunal. Meu outro filho é técnico e trabalha com eletrônica.

Netos - Tenho três netos: duas meninas e um menino; o quarto está a caminho. A relação com eles é muito gostosa porque é uma outra forma de eu ser mãe. É uma dimensão que tem muito afeto, carinho, mas não exige o disciplinamento que se tem de ter com os filhos por uma questão de necessidade. Vejo neles o processo do ser humano em evolução e crescimento. Há sempre um renovar nessa relação.

Valores - Fico perplexa ao ver atitudes de prepotência, a corrida pelo poder. As pessoas gostam de cargos, enlouquecem por eles e se sentem melhores do que os outros porque estão num cargo que é tão simples quanto o outro.

Esperança - Sou uma pessoa de esperança. Esse momento da minha maturidade está sendo muito fértil e interessante. A forma como eu olho o mundo é diferente de quando eu tinha 20 anos. Diria que eu não perdi a minha alegria de viver e a dimensão de luta dos meus 20 anos.

Estado - O Estado é um grande problema. O Estado com o aparato de poder jurídico e político não está ao encontro das questões da sociedade como um todo. Enquanto as coisas que Marx denunciou não estiverem superadas, o marxismo não estará superado. Evidentemente temos um Estado de classe, que faz os cortes, que dissemina, estratifica.

Humanidade - Tivemos muito avanço tecnológico, mas vejo que, apesar disso, os humanos se distanciaram de si mesmos. Me parece que o homem não sabe muito bem quem ele é. Talvez tenhamos que entender melhor a dimensão concreta do individuo que está no nosso cotidiano. A Filosofia, se não dá conta disso, perde um pouco o seu vigor. Ela tem de tentar pensar as questões humanas. Se ela se volta de costas para o sujeito, não tem muito a oferecer.

Diferença - O mundo é diverso, os homens são diversos, os pensamentos são diversos e as racionalidades são diversas. Enquanto nós não conseguirmos trabalhar a cultura da diferença, teremos muita dificuldade de pensar em justiça e paz. É claro que a paz – que é o nosso desejo -, só se fará se tiver justiça. A questão da justiça para mim é algo muito forte. Injustiças me tiram do eixo.

Brasil - O Brasil começou invadido, ficou muito tempo dominado e tenta buscar a sua própria identidade, cidadania com muita dificuldade. Mas hoje é possível ver um Brasil que começa a ser ouvido e respeitado. Isso não é resultado de apenas um grupo político, é um esforço daqueles que viveram, sobreviveram e morreram. Na minha fala ainda tem muito do meu sentimento de criança, de ver a ideia da igualdade ser possível entre as pessoas. Lembro que, quando criança, via os pobres e os negros não sentarem nos primeiros bancos da Igreja, por exemplo. Nos primeiros bancos sentavam os brancos e os ricos. Eu achava estranho, perguntava por que, mas ninguém me respondia objetivamente.

Atividades - Já publiquei livros de poesias, também lecionei como professora visitante em Belém do Pará, onde conheci meu atual companheiro, Humberto Cunha, que também é um sobrevivente da Ditadura e dos porões do Carandiru. Na época, ele foi cassado pelo 477 e AI 5. Eu o encontrei nessa luta pelos direitos humanos. A tentativa de fazer com que a igualdade saísse da lei e fosse para a realidade, para mim, é uma questão muito forte nessa luta pelos direitos humanos. Felizmente, também encontrei em Humberto essa parceria.

Lazer - Escrevo meus versos e isso é terapêutico para mim. Não tenho muita pretensão com isso, embora faça parte da Associação de Letras. Gosto de pintar; fiz aulas de artes plásticas. Não sou uma pessoa das lidas domésticas. Como canceriana, sou quieta e gosto de acolher as pessoas. Talvez busque menos e receba mais. Pelo meu processo de timidez, não gosto de espetáculo, da cena pública, de estar na vitrine. E também não gosto de pessoas que gostam de dar espetáculo. Sou muito critica, atenta e observadora. Analiso também a mim mesmo porque tenho imperfeições como todos os seres humanos. Gosto muito de viajar. A experiência cultural das viagens é muito interessante. Isso me enriquecesse culturalmente.

Religião – Sou uma pessoa religiosa. Já participei de vários movimentos da Igreja. Eduquei meus filhos dentro da religiosidade. O meu ir e vir na Igreja gira em torno da minha necessidade e liberdade pessoal. O Sagrado me toca muito, mas não faço proselitismo disso nem da forma do que eu penso filosoficamente e politicamente. Lido com argumentos. As pessoas, para me contestarem, precisam me dar argumentos. Tenho muito problema com disciplinamento e regramentos que não levam a nada.

Sonhos – Enquanto estamos vivos, estamos sonhando. Quando eu me aposentar de novo tenho vontade de trabalhar com crianças abandonadas. Acho que é preciso um olhar voltado para a infância, para pensar as crianças como presente no sentido de construir o futuro. Tenho isso como perspectiva.

Unisinos – Participei da diretoria da Adunisinos quando ingressei na universidade. Antes de trabalhar aqui, tinha a visão de que a Unisinos era muito grande, mas pouco qualificada. De 1996 para cá, a Unisinos cresceu muito. Naquela época, deveria existir um ou dois cursos de pós-graduação. Houve um trabalho muito sério para qualificar o ensino e torná-la uma universidade de pesquisa. Hoje, quando viajo, percebo que as pessoas têm uma reação de reconhecimento do crescimento da Unisinos. Com a nova reestruturação da universidade, perdemos um pouco o contato com os colegas do cotidiano. Lembro que, quando cheguei aqui, no Centro 1, havia uma imensa sala de professores, onde nos reuníamos, contávamos piadas, conversávamos. Isso se desfez porque as pessoas passam muito tempo em seus gabinetes, com seus grupos de estudos e necessariamente não precisam conversar. Claro que todo o crescimento tem um ônus. Podemos dizer que viver e crescer dói. Então, acho que tem um pouco a dor do crescimento nesse aspecto, daquilo que era mais horizontal e mais fraterno. Sempre tenho preocupação com as metas do crescimento, qual é o limite para não deixar muitos à beira do caminho. Mas também tenho uma dimensão de credibilidade na figura de liderança que Marcelo Aquino está colocando hoje. Ele é extremamente atento e dialoga com todos. Tenho esse voto de confiança no discernimento que ele tem de saber para onde caminha o crescimento.

IHU – Acompanho o IHU de duas formas: pelos eventos que acontecem na Sala Ignacio Ellacuría – aliás achei uma excelente homenagem a um mártir -, e através da revista e do site. Tenho uma observação: vejo que o IHU é parcial. Dependendo do assunto que discute, ouve apenas uma corrente de pensamento. Poderia ter outra forma de enfocar os assuntos, de uma forma mais plural. Acho que as discussões são muito dirigidas. Um instituto que procura trabalhar culturalmente o debate – e acho extremamente importante os temas discutidos -, podia também fazer uma arena de debates. Uma sessão de polêmica, porque todos os assuntos têm vários lados. Não gosto quando um veículo aborda apenas um ponto de vista. Sempre existe o fato e as versões do fato. A oxigenação do pensamento é boa. A ideia de dissenso não é ruim, ela aflora a discussão.
Sobre Belo Monte, por exemplo, tenho discutido com Humberto, que é agrônomo, educador popular e veio de Belém do Pará. Nos anos da Ditadura se lutou muito contra Belo Monte, por toda a destruição que a obra causaria à natureza. Mas ele me diz que hoje, a obra tem outra dimensão e que a informação divulgada na mídia não é a única verdadeira. Eu vi que o IHU entrevistou vários pesquisadores contra Belo Monte, mas não ouviu nenhum a favor ou algum neutro que pudesse discutir de outro ponto de vista. Achei que ficou parcial. Não estou defendendo Belo Monte, mas penso que o debate é importante. O IHU cumpre um papel interessante na universidade, de proporcionar eventos significativos em diversas áreas e é esclarecedor.

6.4.10

MINHA FALA

HISTÓRICO

Eu gostaria de começar minha fala situando as questões históricas da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial. Os conflitos armados e ideológicos que separaram o povo alemão. É verdade que isso demonstra a expressão totalitária de governos, que imaginam interromper pensamentos e ações, por levantarem muros e separarem as pessoas.
Após a Segunda Guerra, e, 1949, por decisão das potências vencedoras, (EUA, Reino Unido, França e URSS) a Alemanha é dividida em 2, parte oreintal e ocidental, cada uma subordinada as potências ocidentais e do leste europeu.
Após esse ato de ferocidade geo-política, por decisão do Pacto de Varsóvia, na noite de 12 para 13 de agosto de 1961 ergue-se um muro dividindo fisicamente as duas Alemanhas, deixando mais feroz a divisão ideológica já realizada, anteriormente.
Os 28 anos (13 de agosto de 1961 - 8 de novembro de 1989). em que esse Muro permaneceu demarcando territórios não foi suficiente para arrefecer os ânimos dos que desejavam a liberdade fundamental de ir e vir.
É evidente que há questões econômicas, além das questões político-ideológicas. O regime da RDA não pode se sustentar, não teve capacidade de investimento e de inovação metodológica, além do mais perde o apoio estratégico de seu maior aliado a URSSS, protagonista maior da guerra fria.
O enfraquecimento da liderança radical de Erich Hoenecker, substituído pelo reformista Egon Krenz precipitou o atendimento ao eco popular pela derrubada do muro, que ocorre as 22 horas da noite de 8 para 9 de novembro, 1989.
Mikhail Gorbachov via perestoika é o grande líder que viabiliza a derrubada material do muro da “vergonha”.

ANÁLISE

É evidente que as idéias não precisam estar cercadas por muros para se realizarem. É por isso que os autoritarismos e totalitarismos tendem a desaparecer ou a se fragilizarem no mundo contemporâneo.
A luta internacional pelos Direitos Humanos, na sua face de direitos dos povos e nações faz frente contra os governos que impedem a liberdade de ir e vir das populações, ainda que existam essas situações de aviltamento das subjetividades e dos povos, como é o caso do Muro que Israel ergue na Cisjordânia e do Muro que os EUA erguerem na fronteira mexicana.
Os jovens alemães nascidos em 1989, (entrevistados por TV e jornais) uns mostraram indiferença diante do fato comememorado hoje, afirmando que não interessa esse assunto a eles, outros falando sobre o fato, mas sem grande entusiasmo. Os velhos mostram divisões também, um entrevistado disse que abriu-se um caminhão cheio de bananas vindo do ocidente e jogava bananas para a população. E ele se perguntava: nos libertaram com bananas?
A pergunta é o que mudou na melhorias da via do povo alemão? As opiniões estão divididas – há os que vêem o avanço tecnológico aparecendo na vida cotidiana e outros permanecem com dificuldade de empregos, etc. A imprensa, entrevistando especialistas, informa que só em 2007, voltou ao PIB de 1989.

OS DISCURSOS E A FALA FILOSÓFICA

Quando caiu o muro de Berlim, as comemorações se sucederam, as pessoas se abraçaram comovidas, as famílias se encontraram depois de longos anos e tudo foi festa. A queda põe por terra as atitudes autoritárias e totalitárias pela força da razão e da liberdade.
Eu penso que o muro nunca deveria ser erguido e já deveria te sido derrubado, antes, dado o seu envelhecimento como símbolo e asua vilania, como relação política entre os sujeitos.
Com a queda do muro tombaram, também, os projetos estabelecidos por uma espécie de saber onipotente.
O que não caiu com o muro (e, aqui está o engano de muita gente) foi o projeto humano e liberdade e libertação. Com a queda do muro não sucumbiu o desejo de construção de uma vida democrática participativa, onde a igualdade de opotunidade deve ser para todos.
Quais oportunidades? Aquelas que indicam qualidade de vida econômica, social, cultural, como saúdem habitação, emprego, trabalho, lazer, educação.
Sabemos que além da metáfora da queda do muro,que virou cinzas, não há quedas ou construções absolutas. As relações se fazem e se desfazem no processo dinâmico do confronto de idéias, de armas, de interesses, de poderes, de motivações. As controvérsias fazem parte da razão humana.
Tudo isso nos leva a pensar que a queda do Muro de Berlim foi uma excelente queda, uma estrondosa derrocada de um tipo de autoritarismo, em nome do socialismo, sem nenhum sentido transformador.
Essa queda realmente nós comemoramos, por apresentar um desafio para outro momento da história – o momento de construção de uma sociedade, onde os muros não precisam ser erguidos, na defesa de idéias.
O desejo de vermos caídos os muros que dividem povos e nações pelos mais variados motivos deveria ser crescente, para que superássemos o preconceito ideológico, político e econômico, quando se denuncia a presença de alguns muros e não se tem a mesma atitude face a outras discriminações realizadas por governos entendidos como liberais.
E há mais muros simbólicos e materiais. A fome, o analfabetismo. A doença, o aviltamento das pessoas são fronteiras sociais e econômicas a serem derrubadas. Em nosso país e em nosso continente.
A questão é: será que nós queremos que muros desse tipo caiam? Ou só sabemos comemorar a queda de muros dos que estão distantes de nós?

Cecília Pires

Eu e Andrei