14.8.11

GRADES


As grades materiais das prisões, que vemos retratadas no nosso cotidiano, pelos jornais e TV, ensejam em nosso pensamento a dimensão de corte, de ruptura, de separação entre mundos construídos pelos sujeitos. São grades reais, vigorosas, temidas e sempre alvo dos desejos dos aprisionados de destruí-las.

Outras grades não materiais, mas simbólicas, são as construídas no mundo que vivemos dentro de nós, independente das ações dos outros. Essas rupturas que fazemos com a vida, nos mais diversos ângulos, seja com a saúde, com a alegria, com a solidariedade, com a presença entre os outros sujeitos, são grades que, talvez, não queiramos destruir. Elas nos vinculam a determinados sentimentos que possuímos: preconceito, violência, desprezo, indiferença, tristeza, egoísmo, solidão, que funcionam como nossos carcereiros, a nos impedirem a circulação livre dentro de nós e no convívio com os outros.

Se pararmos um instante para refletir, poderemos observar que essas grades simbólicas podem ser rompidas, se quisermos mudar nosso projeto de vida.

É natural que nos entristeçamos diante da dor, da morte; mas seria benéfico se, desejando continuar uma vida de harmonia, secássemos as lágrimas, olhássemos ao nosso redor para concluirmos que a nossa não é a maior dor do mundo e que a nossa tristeza pode ser rompida por ações fraternas, atitudes generosas e solidárias com tantas pessoas, cuja escassez as leva a não saberem mais chorar ou sentir dor.

Desse modo, muitas possibilidades temos de romper nossas grades e reconquistar nossa liberdade aprisionada por sentimentos menos nobres e até mesmo cruéis.

Imaginemos o que leva uma mãe a abandonar um filho, um sujeito a violentar uma criança, uma pessoa sadia a maltratar um idoso, um sujeito com responsabilidade pública a se apropriar do que não lhe pertence, produzindo várias conseqüências sociais por sua ação corrupta. O que faz com que tais pessoas ajam dessa forma? Suas grades, que os impedem de se pautar por valores éticos, levam-nos a sacrificar os benefícios sociais que poderiam ser implementados com as verbas públicas desviadas.

Das grades simbólicas construídas em nosso interior, somos nós mesmos os carcereiros.

É possível rompê-las. Será que temos coragem para enfrentar a nós mesmos?

9.7.11

A PEDRA DO CAMPO

Em criança gostava de andar pelos campos do meu lugar. Uma pequena aldeia com ares de cidade, mas que não deixou, no tempo, os traços da aldeia, de um pequeno povoado, situado no caminho da fronteira castelhana, próximo a região dos Sete Povos das Missões. Santiago vive na minha lembrança. É o meu recorte de menina, na nostalgia das minhas horas.
Andava pelos chamados campinhos, regiões ainda rurais, onde as vacas de leite, os bois e os cavalos pastavam na tranquilidade campestre. Época de colheita de frutas, a alegria redobrava no meu recreio infantil, acarinhada pela abundância da terra-mãe.
Gostava mesmo de ouvir o canto dos diferentes pássaros do meu lugar, com destaque especial para o quero-quero. Mais tarde, na escola secundária, quando nas aulas de canto orfeônico aprendi uma canção sobre o quero-quero, houve o encontro da vida com a arte, como um traço de união entre o gostar e o saber. Na Universidade, encontro o quero-quero vestido de pala: o símbolo do nosso estado e guardião da terra.
Dessas andanças de meninice, admirava muito as pedras do campo. Pareciam como ordenação da natureza as diferentes pedras que surgiam ao meu olhar. Umas maiores, outras menores, algumas quase invisíveis formavam para mim uma grande cordilheira.
Dentre todas essas pedras, havia uma muito alta, enorme, majestosa, imensa. Era a minha pedra do campo. Eu não conseguia atingi-la, dado minhas limitações físicas. Mas eu a abraçava com o carinho pleno que há numa criança. É possível que até a pedra se emocionasse com meu abraço simbólico.
Adulta, ouvi muitas falas sobre pessoas que parecem como pedras. Talvez... mas, não como a minha pedra do campo, que seria capaz de sorrir com meu abraço e deixar-se enternecer por ser vista além do seu exterior.



27.6.11

UM POUCO DE ROUSSEAU

Rousseau caracteriza a soberania como sendo inalienável:

não sendo a soberania senão o exercício da vontade geral, jamais se pode alienar, e que o soberano, que nada mais é senão um ser coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo; é perfeitamente possível transmitir o poder, não, porém a vontade.

Nós brasileiros precisamos ler mais Rousseau para praticarmos uma soberania honesta e sem sombras. A soberania é do povo e a representação sempre é problemática, pois esbarra nos princípios da igualdade democrática.

15.6.11

QUAL O CRITÉRIO DA PRESIDENTE DILMA?

A imprensa noticia que Dilma Rousseff, presidente do Brasil, não receberá, em audiência, a iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz de 2003.
A questão que se apresenta no âmago de um pensar político, delineado pelas relações subjetividade e poder, é a seguinte: qual é o critério da Presidente Dilma? Que razões a levam a declinar da oportunidade de dialogar com essa personalidade pública, vinda de um país marcado pelo fundamentalismo religioso e sobretudo vítima da discriminação de um senhor perverso como Ahmadinejad?
Não vou falar do lugar-comum, ou seja, que se trata de uma mulher. Trata-se de uma pessoa que luta em seu país pela defesa dos Direitos Humanos. Não mencionarei, também, o fato de a Presidente Dilma ter experiência de direitos violados e da importância de ser acolhida a denúncia por pessoas solidárias ou militantes, que se envolvem com a causa da humanidade, sendo a principal o projeto de liberdade.
Como entender as razões de Estado, nessa circunstância? Até quando o poder imolará o sujeito em suas tramas, por um agir estratégico sobrepujando um agir ético?
Estará a Presidente Dilma mal assessorada, nesta área? Quem de nós é capaz de contestar a luta digna e necessária da visitante do Irã? Por que a Presidente Dilma não ouviu as organizações de Direitos Humanos do Brasil, antes de tomar a decisão de não receber Shirin Ebadi?
Espero que a sensibilidade política da Presidente Dilma possa falar alto e ela se recomponha desse gesto, que se apresenta de forma negativa para um país que viveu a ditadura e ainda sofre com a impunidade dos algozes.
Receber Shirin Ebadi teria sido uma atitude nobre, como demonstração da nossa autonomia face aos interesses mesquinhos de ditadores.

3.2.11

Cenários de dor

Segunda-feira, 31 de janeiro, dia normal de viver e trabalhar. No final do dia, recebo a infeliz notícia da morte de uma amiga, que retornava do trabalho. Trabalho exaustivo de uma assistente social atuando nos serviços penitenciários desse estado e país pouco preocupados com a boa aplicação das verbas públicas.

Que ocorreu? Um caminhão da empresa Schincariol, atravessa a estrada e choca-se com a ambulância, na qual estava minha amiga Elaine, junto com outros colegas, na condução de um presidiário para ser atendido no serviço de saúde da capital. Sua atitude generosa de sempre servir e ser fiel a seu juramento de assistente social, fez com que ela mais uma vez realizasse essa tarefa, que não era sua, por encargo de trabalho. A vida se interrompe pela tragédia, pelo fracasso do elo social, que não se estabelece para manter forte uma sociedade civil, capaz de cobrar ações da sociedade política.

Mais uma expressão do descaso com a saúde pública nesse país! Por que não pensar em hospitais locais e regionais para o atendimento da população, que paga impostos pesados para o erário publico? Até quando ambulâncias substituirão um sistema de saúde? Até quando as pessoas doentes conduzidas e seus condutores morrerão nas estradas?!

Nos municípios se produz o imposto, fruto do trabalho dos cidadãos. Por que não se aplica o arrecadado no lugar, onde moram os contribuintes, solucionando seus problemas básicos? Como é possível falar de desenvolvimento, de crescimento, de justiça, sem nos apropriarmos de uma realidade na qual as vidas humanas estão fragilizadas e expostas aos desacertos dos dirigentes, tanto públicos quanto privados? Que fazer diante dessa atitude de descaso com a vida?

A empresa responsável pelo veículo causador do assassinato de minha amiga, que faz? Quem lhe cobra a responsável vistoria dos caminhões deslocados para as estradas? O motorista alega problemas na direção do caminhão, por isso não conseguiu manobrá-lo para evitar o choque. Mas um veículo, nessas condições, deve ser colocado para trafegar com cargas, de um modo irresponsável, movido pela ganância de lucrar cada vez mais, cuidando cada vez menos da vida e da segurança das pessoas?!

É certo que as punições não trarão de volta a alegria e o sorriso de Elaine e nem produzirão conforto na sua mãe octogenária, que contempla o corpo da filha desacreditando do imponderável. Quem preencherá o coração de seu filho, cuja orfandade é singular e insuportável?!

Apesar de todas essas impossibilidades diante da morte, em que vivemos esses cenários de dor, é preciso que motoristas irresponsáveis e seus patrões sejam punidos exemplarmente. Não há que manter carteira de motorista para quem assassinou. A moralidade pública tem que começar a acontecer além dos discursos vazios e das promessas vãs.

Num país de tantas mortes por encostas que deslizam, prédios que desabam, automóveis usados como arma, que fazer? O compromisso tanto do setor público, quanto do setor privado é condição imprescindível para que a vida seja boa e justa para todos, sem privilégios.