31.3.14


A FARSA DA DEFESA DA PÁTRIA

Cecilia Pires

 

                   Na Escola Normal Medianeira, em Santiago do Boqueirão, saindo da adolescência, ouvi os primeiros murmúrios de que o ‘perigo vermelho’ estava afastado do Brasil. Que os comunistas haviam sido derrotados pelas forças da Ordem (?) e que voltaria a paz e a harmonia entre todos os brasileiros.

         Como militante da JEC – Juventude Estudantil Católica – me assaltava sempre o espírito crítico e questionei o que estava ocorrendo com o episódio da denominada “Revolução”. As superioras da Escola, de modo evasivo, impediam o debate e depois objetivamente proibiram as reuniões do núcleo da JEC na Escola, bem como as publicações críticas e até ingênuas dos estudantes no Quadro Mural da AME – Associação Medianeira de Estudantes.

         Muitas falas se fazem ouvir, neste momento, em que o calendário marca os 50 anos do Golpe que exigiu ser reconhecido como Revolução. Alguns historiadores analisam que 50 anos é um tempo relativamente curto para avaliação de fatos e entendimento da conjuntura. É possível, mas para quem viveu, sofreu e sobreviveu aos horrores dos “anos de chumbo” foi um tempo muito longo os 21 anos em que a democracia foi violada pelo autoritarismo patrocinado por militares e civis em nosso País.

         Todo o discurso ‘em defesa da Pátria’ registra a atitude prepotente em que os identificados como adversários ou inimigos do governo eram considerados inimigos da Pátria. Na minha pequena cidade, uma colega de Escola ao sair pela manhã para a aula, depara-se com seu quintal tomado por soldados, para prender seu pai, um líder político de oposição, um perigo para a Pátria e o bem-estar das famílias. Uma cena dos filmes de guerra!

         Um amigo do meu pai, cujo patrimônio perdera por conjunturas econômicas, tornara-se um comentador ingênuo das lides políticas e frequentador de rodas populares. Elogiava muito Brizola. Foi preso e advertido por expressar opiniões contrárias aos ditames dos autores do golpe.

         Na continuidade dos acontecimentos saio de um lugar tomado por quartéis e generais grandiloquentes e vou para outro, Santa Maria, para prestar vestibular na UFSM, uma cidade tomada por quartéis e civis conservadores, leais aos “revolucionários”, salvadores da Pátria. Imaginem o que significava o fino exercício de lógica e argumento nas aulas de Filosofia, onde os padres Palotinos nos estimulavam ao exercício da crítica! O protagonismo desses professores merece meu respeito histórico e político, pois não se deixaram intimidar pelo pessoal da ASI (Assessoria de Segurança e Informação), que ocupava um andar próximo ao Gabinete do Reitor. Era a presença física do Estado Autoritário na Academia.

         Um dos padres palotinos organizou no ano de 68, o Grupo Universitário, que depois se tornou o MUSM, Movimento Universitário de Santa Maria, com o objetivo de reunir estudantes e discutir questões acerca da Universidade Brasileira, bem como celebrar o culto religioso para os que desejassem participar. Foi concedido o porão da Casa do Estudante. Mas um Reitor extremamente autoritário, certamente incentivado pelos generais de Brasília, exigiu a retirada dos estudantes daquele local e assim fomos acolhidos numa casa de família por uma Grande Senhora, que viabilizou a continuidade dos encontros dos universitários, que não queriam mais do que debaterem os problemas da política, as relações da Igreja com o Estado, a importância de uma Universidade crítica e competente e até mesmo a sua condição de sujeitos nessa conjuntura nacional.

       Por que relato tudo isso no dia em que o calendário assinala os 50 anos do Golpe? Porque desejo me associar às comemorações em defesa da Democracia, para que não haja mais o espetáculo da vilania e da tortura e para que os que nasceram depois de 64 saibam que aqueles que amordaçaram a democracia não prestaram nenhum serviço à Pátria. Ao contrário, associaram-se com empresários nacionais e estrangeiros que financiaram e se locupletaram do sistema ditatorial, perseguindo, torturando e matando os inimigos do Regime.

                   É necessário, portanto, desconstruir esse discurso de defesa da pátria, que pode emocionar os ingênuos e os mal informados, mas não pode se perenizar nas consciência cívica de quem quer um Brasil livre, soberano e justo.