21.12.14

Auto de Natal

Não se preocupem não irei descrever, novamente, a narrativa que todos já sabem, ouviram e leram de fontes mais sábias. Não me atrevo a repetir articulistas e romancistas famosos ou midiáticos, que têm acolhida nas grandes redes de jornais e televisão.
Minha intenção é bem mais modesta. Desejo apenas, utilizando a metáfora do auto de Natal, esboçar um enredo diferente das críticas costumeiras e dos exemplos repetitivos. Quero dirigir o pensamento ao imaginário de cada um e mostrar a originalidade sempre renovada que é o nascimento. Sem estranhezas ou acusações, pois todos já sabemos que elas nos atingem diariamente, via notícias e espetáculos.
Quero partilhar uma visão digna da simplicidade da manjedoura, abrigo de um menino que fugia da tirania dos reis, mas que não fez de sua pobreza apanágio para se tornar vítima de nada. Ao contrário, o incentivo era para a nobreza de caráter e o desprendimento de riquezas que escravizassem.
Neste auto de Natal, que não quer reproduzir a vida e a morte de um líder, o interesse é registrar os seus próprios registros. A hipocrisia era algo que abominava o jovem, nascido próximo aos pastores e suas ovelhas. Chamava os hipócritas de sepulcros caiados, belos por fora e apodrecidos por dentro.
Contemplamos essa hipocrisia ao vermos artigos e comentários sobre e contra a fúria capitalista, sendo que no cotidiano essas mesmas pessoas não têm uma atitude diferente dos que criticam. Usam de artifícios para conseguirem seus intentos, sabem seduzir para se colocarem melhor no mercado e, especialmente, consomem e se deixam consumir como qualquer mercadoria. Então criticam os que comemoram o Natal como um gesto histérico, sendo que a histeria integra sua própria vida, que faz parte do espetáculo do consumo e está posta a venda. Só chegarem ao preço e fazerem a oferta. Vendido será o próximo indicador em seu peito.
Escribas e fariseus eram apontados como atores da hipocrisia social. Temos hoje esses atores com novas roupagens participando de uma festa da qual não têm convicção, mas que precisam estar para serem vistos. O palco continua armado para eles entrarem em cena e se posicionarem para mais um espetáculo.
Feliz e livre é o sujeito que se pauta por seus princípios, ainda que desagrade os demais. O nascimento que se comemora é o de um sujeito orientado por princípios, cuja história enalteceu os seus seguidores e impressionou os seus detratores. Temos até a metáfora do covarde, que não quis ser responsável por seus atos e “lavou as mãos”. Esse é um gesto que se repete, quando as pessoas desistem da coerência e lavam as mãos para não assumirem o que fizeram.
O auto de Natal, que entendo poder ser escrito e descrito, é uma forma de restaurar a beleza da simplicidade, a delicadeza das trocas, a grandeza da generosidade e a coragem das convicções. Não repetimos as comemorações de Natal pelo simples costume, realizamos a festa pelo Nascimento de uma Vida a ser celebrada, como a vida de todo ser humano que nasce e deve ser acolhido.
Importa pouco se há ou não um “espírito natalino”. Penso que pode haver um gesto de mãos estendidas, num esforço de reconhecimento dos humanos entre si. Este foi o testemunho que o Homem de Nazaré quis deixar ao mundo. A figura carismática do Cristo desejou a Vida em abundância para todos.
Por esse auto de Natal, sem a pretensão de ser roteirista, reitero o apreço que tenho pela confraternização alegre, singela e, sobretudo, humana. Quero aproveitar o momento dessa escrita para cumprimentar a todas e todos, com um abraço fraterno, desejando esperança e coragem para receber o Novo que chega.
Feliz Natal!