12.5.16

As conveniências dos julgadores

Repetindo o velho filósofo da Renânia, a história se repete, algumas vezes como tragédia, outras como farsa. O Brasil, em sua história, viveu essas situações. Muitas como tragédia, a última foi em 1964, com o golpe civil-militar. Como farsa, estamos vivendo, agora, em 2016, quando enfrentamos o golpe parlamentar, em que não se evidenciam os crimes da Presidente acusada, embora os ritos dos julgadores se cumpram, no formalismo do uso da lei e da Constituição. As ações humanas exigem interpretações. E essas, as interpretações, estão eivadas de subjetivismos. Se não se sustenta a tese do crime de responsabilidade, de que a acusam? Os argumentos se sucedem e nos vemos no meio dessa confusão retórica em que serve a afirmação de Karl Marx, ao falar dessa repetição sob a forma de tragédia e farsa, nos meandros da história.
A quem compete selar o destino dos humanos? Aos juízes togados ou aos juízes eleitos pelo voto popular, como senadores e deputados? A quem cabe julgar? Qual correção de atitudes lhes dá a legitimidade do julgamento? O Homem de Nazaré advertia: “Quem não tem pecado, atire a primeira pedra”. E, então? Estarão os senhores do Congresso Nacional isentos de malfeitos e ações pouco meritórias?! As estatísticas mostram que mais da metade dos parlamentares, seja de uma ou outra casa congressual, tem problemas com seus mandatos, resultantes de acusações no âmbito da justiça. Qual a isenção dos senhores julgadores? Estarão os senhores e as senhoras, que julgam, livres de qualquer preconceito, ressentimento, desejo de vingança ou outros sentimentos vis e comezinhos? Qual soberania de propósitos assiste os que frequentam os tribunais e as tribunas?
Os julgadores começaram a adjetivar seus votos, denominando-os voto moral, voto técnico, voto justo, para dimensionarem as razões de suas decisões, escondidas atrás de biombos ideológicos, divisionistas, em que a questão de classe fica efetivamente ocultada nas suas falas, embora explicitada em suas atitudes. Daí a farsa.
Os senhores e senhoras, que julgam do alto de suas competências, não se importam em ouvir a verdadeira voz do povo, do qual eles se sentem tradutores das ideias e dos sentimentos. A eles interessa tão somente falarem do que entendem acerca do que ouviram das reivindicações populares, como a insatisfação, o custo de vida, o chamado clamor das ruas, tudo para mascarar as verdadeiras intenções e interesses dos que julgam.
A acusação de qualquer tipo de contravenção legal requer a tipificação do crime. Pois bem, de que acusam a Presidente? Que crime teria ela cometido? Em que ordenamento jurídico se baseou a peça acusatória, que remete a Presidente eleita ao afastamento do poder conquistado pela voz das urnas? O contrato social prevê que o resultado das urnas confere ao vitorioso a condição de gerenciamento do poder executivo, segundo as leis da República. Isso não basta? Talvez, mas na medida em que, para haver um bom desempenho, faz-se necessário saber articular, transigir, trocar com os membros do Congresso, os quais em função dos seus interesses aprovam ou desaprovam os atos da Presidência República, não sem que antes colher resultados materiais para os seus condomínios eleitorais.
 Há que serem resguardadas as definições de ética, moral, justiça e democracia, que perdem, por vezes, seu sentido substantivo, quando são usadas de forma solerte pelos julgadores, que pretendem se manter na zona de conforto e fazer uso público de motivações individualistas e partidárias, ao invés de estarem voltados para as demandas da sociedade civil, nas suas mais diversas aparições de classes sociais e frações de classe.
Sobre tudo isso merece destaque a forma como as conveniências aparecem no cenário político, em que sem disfarces os arautos da “moralidade pública” interferem no jogo do poder, demonstrando uma consciência desgastada e maculada pelos adjetivos usados nas falas, numa flagrante atitude desrespeitosa a quem está sendo acusado, chegando à vulgaridade.
Do que resta, cabe-nos o anúncio e a denúncia. O anúncio de que as vozes das urnas, como as vozes das ruas, estarão exigindo o respeito às decisões democráticas, no momento obstaculizadas pela farsa. A denúncia se sustenta no despreparo dos poderosos aliados ao grande capital, que não aceitaram o resultado das urnas e desde os primeiros momentos decidiram que não permitiriam que a Presidente eleita cumprisse seu mandato até o final. 
Até mesmo o uso efetivo do dinheiro ocorreu ao pagarem os serviços da advogada para que fosse feita uma peça acusatória. Valeu mais do que Judas, que vendeu o Mestre por 30 dinheiros. Desta vez não houve entrega do mestre, pois este estava junto, apenas o pagamento de 45 dinheiros àquela que aceitou denunciar, utilizando a montagem cênica do aparato legal. Essas conveniências dos denunciantes, acusadores e julgadores embaça a face da República, já marcada em sua história pela tragédia e pela farsa.