Cansa-me
o preconceito, a visão parcial dos que apresentam posições extremas, que não
contribuem para nenhum avanço social. Os exemplos sobram na História, quando
atitudes preconceituosas, discricionárias, deterministas impedem uma análise
criteriosa das situações.
Comento
tais atitudes referindo-me a mais um aniversário da Revolução Farroupilha,
quando se comemora o Dia do Gaúcho. Não entendo as críticas mordazes que são
feitas por ocasião dessa data. Por que? Qual o sentido dessa negação? Por que
os hábitos, os costumes e as expressões culturais dos gaúchos causam escárnio
em muita gente?! Por que recusar as origens?!
Afinal,
gostamos e respeitamos os costumes e as tradições dos imigrantes italianos,
alemães, japoneses, eslavos, enfim cantamos e dançamos suas músicas e
festejamos suas datas comemorativas. E
isso é bom! Por que tanto sarcasmo, ironia e preconceito com a cultura regional
gaúcha?!
Se
tivemos heróis e vilões na Revolução Farroupilha, isso não pode causar
estranheza. Qual movimento revolucionário não teve seus heróis e vilões?! Basta
percorrermos a História dos movimentos de emancipação, nas diferentes regiões
do país, que encontramos os registros dos que agiram com honra e dos que se
deixaram levar pelo suborno. A
Balaiada, no Maranhão, a Sabinada, na Bahia, a Revolução Pernambucana, a
Cabanagem, no Pará, para citar algumas rebeliões, mostram ações de coragem e
ações de vilania e não podem ser desconsideradas como movimentos que
expressaram o desejo de liberdade e de recusa à submissão diante de atitudes
prepotentes dos governos imperiais. A própria Inconfidência Mineira teve o
Tiradentes e o delator Joaquim Silvério dos Reis.
Não
penso que devamos falar da Revolução Farroupilha, sem lembrarmos dos Lanceiros
Negros. A morte dos escravos que se empenharam em lutar na Guerra dos Farrapos,
alimentados pelo desejo de liberdade, nos marca profundamente. Giuseppe Garibaldi
e Anita Garibaldi, bem como Bento Gonçalves não podem ser chamados de vilões.
Houve
traições. David Canabarro é citado como
um traidor, por ter desarmado os lanceiros, num acordo com os imperiais. No
episódio conhecido como Batalha dos
Porongos, as tropas do Império massacraram os guerreiros negros. Esta foi
uma vilania a ser lamentada e denunciada. No entanto, o desprezo por essa
atitude de submissão ao exército do Imperador, não pode ser generalizado.
Muitos lutaram com bravura e tirocínio contestando as políticas centralizadoras
do Império, políticas essas que, infelizmente, ainda hoje são praticadas pela
República, passados todos esses anos de sua proclamação. O momento nacional é
revelador das traições e vilanias.
Minha
intenção não é simplesmente ignorar as incoerências e apenas estimular os
festejos do Dia do Gaúcho. É possível separar o joio do trigo com inteligência,
com sabedoria, com eficácia. Meu desejo é procurar outras razões que não as do
ódio, do rancor, da segregação, do preconceito.
Por
isso entendo legítimo comemorar e cultuar, com respeito, os costumes e as
tradições dos povos e das comunidades regionais. O Rio Grande do Sul, com erros
e acertos, apesar dos governantes, marcou sua história não apenas com sangue,
mas com resistência.
Esta
resistência é o que me faz continuar pensando em dias melhores para o nosso estado e o nosso país,
onde sempre teremos que conviver com heróis e vilões, misturados à gente
simples, que com seu trabalho e dignidade constrói o dia a dia da sociedade. Uma
gente que canta, dança, se ornamenta para a festa com a alegria de quem sabe
que a liberdade é o alimento essencial para que cresça a igualdade e a
fraternidade.