Quem
criou os subterrâneos? Os perseguidos ou os bandidos? A história mostra os
primeiros cristãos escondidos da perseguição do Império Romano. Sabemos, no
entanto, que os bandidos antigos e atuais costumam cavar túneis para praticarem
seus delitos, sendo que a simbologia do subterrâneo pode estar representada por
uma garagem, substituta do túnel, onde também é possível entrar sem ser notado.
O
Presidente que ocupa a direção da República Brasileira não identifica com
precisão qual é o subterrâneo usado por seu interlocutor. A intimidade
demonstrada na conversa entre ambos não permite que constatemos uma perseguição.
O que aparece é uma fala de cumplicidade delituosa, própria dos bandidos.
Prevaricação, obstrução da justiça, organização criminosa são indicativos
reveladores de atitudes próprias de bandidos, tanto os vulgares, quanto os
afortunados.
O
Presidente ocupante do cargo refere que seu interlocutor foi movido pelo que
ele denomina “objetivos nitidamente subterrâneos”. Se isso é assim, ocorreu uma
cumplicidade com tais objetivos, pois do contrário, a indignação seria de tal
forma que o Presidente faria, imediatamente, uma denúncia aos órgãos adequados,
conhecedor que é das questões jurídicas e constitucionais.
As
dimensões de conceitos como moralidade, lucidez, responsabilidade, integridade
ficaram esquecidas nas interlocuções onde os “objetivos nitidamente
subterrâneos” foram evidenciados na forma do diálogo divulgado, sem qualquer
expressão de espanto, para dizemos o mínimo.
Nessa
continuidade de propósitos escusos sobre a vida nacional, além da indignação
vivida pelo silêncio dos responsáveis garantidores das leis e pela serenidade
não-ingênua do governante, permanece em nosso imaginário a força das
estratégias de desigualdade de direitos, de suborno, de sequestro moral, de
rentismo e de sede de poder. Tudo isso aliado, integrado, associado ao
protecionismo dos grandes empresários, em detrimento dos trabalhadores, que
pagam seus impostos, onerados com diversas taxas e sem nenhum acesso a
informações privilegiadas.
O
quadro instalado demonstra o que já foi constatado – que a política praticada
pelas agremiações partidárias, sem qualquer controle efetivo da sociedade
civil, tenderá a essa continuidade corrupta de favores, trocados por milhões.
Cabe-nos
a ação cidadã, o enfrentamento de falas exóticas, justificadoras do crime e, a
organização da vida pública pela seriedade, pelo compromisso ético, mostrando a
soberania da sociedade envolvida em restaurar o laço social, negando o discurso
fácil e repulsivo de que não é possível viver a política longe das falcatruas e
obscenidades civis.
Hannah
Arendt referia que a política é o espaço dos humanos, onde acontece
propriamente a condição humana. E entendia que qualquer forma de governo que
investir contra a pluralidade, que a política permite, acaba com a humanidade e
cria uma situação de domínio. Não queremos dominação, rejeitamos o pensamento
único, recusamos um lugar fixo, onde a verdade seja cultivada. Se soubermos
pensar dialeticamente, saberemos entender a contradição, o que não implica
acolher a cumplicidade com o suborno e com o rentismo, que buscam comprar
consciências e mistificar discursos. Só os governos ditatoriais e totalitários
se movimentam nessa opacidade de valores morais.
Na
sociedade do espetáculo e do efêmero, algo como a dignidade humana deve ser um
ponto de referência. Disto o Brasil está carente, sofrendo de doença endêmica,
cujo vírus da corrupção ainda não encontrou o remédio eficaz para contê-la. Na
referência Arendtiana, a crise do mundo moderno indica que não é tanto o mundo,
mas sim o próprio homem que saiu dos trilhos e, acrescento, buscou “objetivos
nitidamente subterrâneos”.
O
filósofo Diógenes, na Grécia Antiga, percorria as ruas de Atenas, com uma
lanterna na mão, procurando um homem de caráter e de moral. Talvez, precisemos
continuar essa busca.